quarta-feira, 11 de abril de 2018

Grato por vós seguirdes uma rotina.
Grato por acordardes, trabalhardes, dormirdes.
Grato por serdes felizes.
Grato por irdes à igreja.
Grato por serdes sonhadores.
Grato por quererdes dinheiro.
Grato por revolucionardes.
Grato por terdes regras.
Grato por arrependerdes.
Grato por serdes donos da verdade.
Grato por não serdes notórios.

Isso fez-me escritor.
Contudo decidi ser mais que isso.
Decidi grafar a vida e mudá-la absoluta.
Só teria graça uma minha vida que se confundisse com a literatura.
Aprendi-o tarde.


Achava que depois de dedicar-me aos estudos
saberia por que vivo e que quero.
Aprendi, não obstante, que não posso ter a Razão.
(Posso não ter Razão.)
De que forma poderá a Razão existir se não há consensos?
Não havendo consenso, não existem verdades.
Não há justiça uma vez que verdades não existem.

Minhas poucas razões desapareceram.
Conclusões já não faço.
Não sei mais se a felicidade importa.
Nem vejo o óbvio: a tristeza na tristeza.
Só consigo achá-la maravilhosamente linda
de tão verdadeira que é.
Só consigo apaixonar-me por rasuras,
por erros e indefinições.

Só consigo ser grato, porque sou o oposto.
Grato por serdes iguais.
Grato por serdes sempre justos.
Sinto-me menos culpado, agora, por me ver um pouco mais injusto.

Interromper-se-ão vossas rotinas.
Uma barbárie por mim será feita.
Vereis em breve essa minha obrigatoriedade de intervenção.

domingo, 22 de maio de 2016

isagoge e peroração

salvo escritor _ era escrito _ cujas palavras alindavam às velas sua biografia __ não havia de saber por que só às velas se escrevia sua biografia _ quiça fosse deísmo poético _ todavia ninguém soubera __

que temos de saber do escritor é _ suas palavras eram vida __ vivia-se tudo do escritor __ viviam-se claridades _ desvarios _amenidades _ negligências _ mendicidades _ solitudes _ amabilidades ___ tudo movia escritos _ gozava de escrever _ nutria de escrever _ drogava de escrever __ tudo às velas __

agora não se sabe se fora o escritor quem vivia e as velas que escreviam ou se fora o escritor quem escrevia e as velas que viviam __ sabe-se apenas que o escritor iluminava e as velas ____ estas humanavam qualquer literatura __

(Ainda acendem-se velas para poetizar, para criar histórias, para sonhar. São os humanos quem acendem as velas. E são os deuses quem poetam.)

domingo, 6 de outubro de 2013

Vulcão

Hoje tenho certeza de que minha maior perversidade foi, ao agir em prol de mim mesmo, esquecer-me de todas as constantes do mundo para entregar à vida, vida. Apesar de o que me pudesse matar, brindei o dia com uma imensidade de crimes de amor, que matam com os olhos fechados e alma aberta, e, nas noites, roubei de todas as estrelas as iridescências que eu colocava e coloco em meus textos.

Meu delito foi ter vivido mais com almas do que com pessoas. Foi me importar mais com um poema do que com essa vida tão ordinária. Foi negar ao coração tranquilidade e comodidade. Foi fazer-me lava e explodir vulcões.

Today, I'm sure my biggest perversity was, while I was acting for my well-being, forgetting all world constants in order to give life to life. In spite of what might slay me, I've pledged the day with a immensity of love crimes which kill with closed eyes and open soul and I, at the nights, have stolen, from the stars, iridescence which I place and placed in my texts. My misdemeanor was having lived more with souls than with people, was taking care of poems than of this ordinary life, was denying me peace and commodity. My misdemeanor was making me lava and exploding volcanoes.

domingo, 15 de setembro de 2013


—   O que você encontrou nele?   —  perguntou-me um bêbado em um bar à noite.
A minha cabeça emanava infinitos momentos em que me vi deitado ao lado de outros homens, e de outras mulheres, e de outras pessoas; eles gritavam gemidos, gozavam aflitos àquele momento criminoso ao meu lado. Alguns destes homens abandonavam suas esposas para poder provar qualquer bebida que um garoto como eu podia oferecer. Algumas mulheres buscavam em mim uma espécie carnal de vivacidade, coisas que só garotos como eu possuíam na saliva. Lembrei-me de alguns rostos, flashs, poses, curvas e formas. Lembrei-me do sexo que eu procurava e da culpa que eu bebia sempre que chegava a minha casa a encenar mais um teatro para a minha família: a de ser outro eu, um eu inocente que eles queriam que eu fosse. E para me embebedar mais dessa culpa, gostava de inventar histórias. Não bastava omitir que eu os traia com outros seres, em outros camas, não!, isso não bastava. Eu tinha que criar uma nova vida, um novo poema de um dia diferente do que vivi. E eu gostava disso. Eu já ia para um novo encontro preparado para criar uma nova história do que eu não iria viver, de uma aula que eu não iria assistir e de um filme que não iria ver. Quando dizia que assisti a um filme com algum conhecido, (na verdade estava em outros chãos, em outros braços) havia de procurar um nome de filme para oficializar minha mentira, até narrei cenas de filmes que eu não vi. Era um jogo. Um jogo de detetive, eu era perseguido. Enquanto procuravam por mim, fazia questão de esconder todas as pistas, e, às vezes, deixava algumas pegadas de propósito no caminho a fim de tornar a vida mais excitante. O fluxo de pensamento que me penetrava foi interrompido pela repetida pergunta: “O que você encontrou nele?”
— É que eu estava novamente em busca de novas pernas e não estava preparado para encontrar alguém às alturas. Quando o vi pela primeira vez, ele me acendeu uma angustia e uma solidão que sempre estava presente depois de ir embora de uma casa a qual não mais voltaria. Era uma saudade. A diferença é que eu não o conhecia, mas ainda sim a saudade ardia de maneira como eu o conhecesse. Sabe? Eu não sei. Isso é estanho... Enquanto meu corpo dizia estar em busca de prazer, eu tinha a curiosidade de entrar em cada um em busca de um pouco de amor. Acho que eu sobrevivia com um pouco de cada amor de cada um dos milhares de amores que um dia eu tive. Quando encontrei essa fonte de sobrevivência, soube na hora: não poderia deixá-lo de lado. Não poderia ir para o orgasmo só uma noite com aquele rapaz. Eu queria poder oferecer a ele minhas histórias, minhas verdades, minhas horas. Eu não o conhecia, mas tinha uma vontade enorme de conhecê-lo. E dividi-lo e me dividir-me com ele. — com um suspiro, continuei — Não era apenas aquela boca carnívora que me envenenavam, eram as coisas que saiam delas, eram as coisas que saiam dele e encostavam-se a mim. Conversar com ele era como estar em com sol em um dia de muito frio, eu não queria sair do lado dele, mas era necessário porque eu poderia me queimar. E então ele foi embora e o eu fiquei esperando o dia em que ele voltaria para continuar aquela conversa que havia sido tão prazerosa...
O bêbado não mais prestava atenção, ele estava tendo uma overdose por tantas drogas que havia cheirado naquela noite. Tive que ajudá-lo, então o levei para a minha casa para que pudesse repousar. Dividimos a minha pequena cama, dormimos juntos. Quando acordei, o bêbado tinha ido embora e havia um bilhete sobre a minha mesa:
“Venha. Mas não guarde lembranças destes meus olhos bêbados e da minha língua perdida. Quero poder entregar a você um pouco de conhecimento, verdade e companhia. E que não tenhamos apenas prazeres momentâneos, que encontremos amores para a vida. Estou a sua espera. E de mais histórias, mais mentiras, mais vidas e sobrevidas... e de um pouco mais de luxúria, arte e poesia.”
E como um espião, eu saí de casa. Disposto a procurar por todos os lugares aqueles olhos bêbados. Um gole esperançoso passou pela minha garganta. Aqueles olhos estavam perto.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

carro a sexo

sobre um homem chupador que engoliu minha bitola inteira

que são direitos
se lá fora
tem um homem
com boca aguada

se é um homem
num carro
que gosta
de comer pirocas

no estacionamento
guloso
se mostrou
o homem
que fraquejou
e caiu de boca

corpo tremendo
mais devagar
mas a boca
não parava
de chupar

dizia
"tem calma
cara"
a porra
podia vir
mais tarde

meu pau
na noite fria
salivado
fervia
pela boca
que minutos
e minutos
não cansava

no final
já se
pedia
o gozo

assim, gozei

mãos no teclado
e meu pau lateja
de lembrar









sexta-feira, 14 de junho de 2013

Apaixoárvore.

Quando enegrecem as nuvens, o orgasmo escorre.
Ao chover lento, são os beijos que aguam as flores.
Então, as árvores vivem...

A do conhecimento gera bananas,
gera maçãs, gera lábios vermelhos.
Aquele homem come lábios vermelhos.
come, também, bananas.
Por vezes, é a banana quem come.
Alimento-me da Árvore, sei bem como é.

Alimento-me tanto que me apaixonei por uma.
Era de maçã.
Não havia quem mandar sobre aquela árvore.
Diziam que alguma espécie divina a possuía.
Era tolice. Se alguém a tivesse, seria eu.
Sabia eu que outros homens saboreavam daquela árvore.
Sabia, igualmente, que só meu paladar a satisfazia.
Não pedi compromisso a dois.
Ela podia ser comida por qualquer um.
Eu comê-la-ia.
E, enfim, fiz.
Comi-a na terça, na quarta, na quinta.
Na sexta, ela disse:
"Apaixonada estou, ninguém até hoje me comera tão bem"
"Posso dizer-te o mesmo, tu foste a mais saborosa que minha boca sentira."
Ela ficou envergonhada com tanto amor.
Vergonha tanta, que rosas, gérberas e lírios surgiram.
"Desculpa-me estas flores, quando feliz, floresço."
Eu enlouqueci.
Minhas pernas enrosquei nela,
e ela enfiou as suas raízes em mim.

Ela, fixada em mim, ovulou.
Eu, penetrado nela, floresci.

Foi um amor efêmero. Destes que vivem em um derradeiro suspiro. Não sei se o amor se perdeu ou se ainda existe. Ainda a gosto. No sábado, voltei a procurá-la, todavia ela não estava lá. Disseram que foi atrás dos seus sonhos, e que foi a única capaz de serrar a si mesma para ter um pouco de liberdade, e que corria, e corria feliz dizendo "ah, felicidade..., de agora em diante só perante a felicidade..." e repetia como um mantra sonoro que ecoava por toda a natureza aquele resquício de amor que a fez tão intensamente feliz e que a tornara liberta.



Sei, agora, que são árvores das folhas mais delicadas que transpiram.



E são os amores menos lúcidos que florescem.

não águas tua boca

Cansado do mundo, venha outro,
que essa saliva já não água a boca,
que o poema se transforme noutro,
num que as salivas já águem a boca

Hei de estar sempre cansado dum mundo que a saliva já não águe a boca.
Escolhendo até a morte matada a fim de que o sangue águe a boca.

até a morte afogada para que a água águe a boca.