— O
que você encontrou nele? —
perguntou-me um bêbado em um bar à noite.
A minha cabeça emanava
infinitos momentos em que me vi deitado ao lado de outros homens, e de outras
mulheres, e de outras pessoas; eles gritavam gemidos, gozavam aflitos àquele
momento criminoso ao meu lado. Alguns destes homens abandonavam suas esposas
para poder provar qualquer bebida que um garoto como eu podia oferecer. Algumas
mulheres buscavam em mim uma espécie carnal de vivacidade, coisas que só
garotos como eu possuíam na saliva. Lembrei-me de alguns rostos, flashs, poses,
curvas e formas. Lembrei-me do sexo que eu procurava e da culpa que eu bebia
sempre que chegava a minha casa a encenar mais um teatro para a minha família:
a de ser outro eu, um eu inocente que eles queriam que eu fosse. E para me
embebedar mais dessa culpa, gostava de inventar histórias. Não bastava omitir
que eu os traia com outros seres, em outros camas, não!, isso não bastava. Eu tinha
que criar uma nova vida, um novo poema de um dia diferente do que vivi. E eu
gostava disso. Eu já ia para um novo encontro preparado para criar uma nova
história do que eu não iria viver, de uma aula que eu não iria assistir e de um
filme que não iria ver. Quando dizia que assisti a um filme com algum
conhecido, (na verdade estava em outros chãos, em outros braços) havia de
procurar um nome de filme para oficializar minha mentira, até narrei cenas de
filmes que eu não vi. Era um jogo. Um jogo de detetive, eu era perseguido.
Enquanto procuravam por mim, fazia questão de esconder todas as pistas, e, às
vezes, deixava algumas pegadas de propósito no caminho a fim de tornar a vida
mais excitante. O fluxo de pensamento que me penetrava foi interrompido pela repetida
pergunta: “O que você encontrou nele?”
— É que eu estava novamente
em busca de novas pernas e não estava preparado para encontrar alguém às
alturas. Quando o vi pela primeira vez, ele me acendeu uma angustia e uma
solidão que sempre estava presente depois de ir embora de uma casa a qual não
mais voltaria. Era uma saudade. A diferença é que eu não o conhecia, mas ainda
sim a saudade ardia de maneira como eu o conhecesse. Sabe? Eu não sei. Isso é
estanho... Enquanto meu corpo dizia estar em busca de prazer, eu tinha a
curiosidade de entrar em cada um em busca de um pouco de amor. Acho que eu
sobrevivia com um pouco de cada amor de cada um dos milhares de amores que um
dia eu tive. Quando encontrei essa fonte de sobrevivência, soube na hora: não
poderia deixá-lo de lado. Não poderia ir para o orgasmo só uma noite com aquele
rapaz. Eu queria poder oferecer a ele minhas histórias, minhas verdades, minhas
horas. Eu não o conhecia, mas tinha uma vontade enorme de conhecê-lo. E dividi-lo
e me dividir-me com ele. — com um suspiro, continuei — Não era apenas aquela
boca carnívora que me envenenavam, eram as coisas que saiam delas, eram as
coisas que saiam dele e encostavam-se a mim. Conversar com ele era como estar
em com sol em um dia de muito frio, eu não queria sair do lado dele, mas era
necessário porque eu poderia me queimar. E então ele foi embora e o eu fiquei
esperando o dia em que ele voltaria para continuar aquela conversa que havia
sido tão prazerosa...
O bêbado não mais prestava
atenção, ele estava tendo uma overdose por tantas drogas que havia cheirado
naquela noite. Tive que ajudá-lo, então o levei para a minha casa para que
pudesse repousar. Dividimos a minha pequena cama, dormimos juntos. Quando acordei,
o bêbado tinha ido embora e havia um bilhete sobre a minha mesa:
“Venha. Mas não guarde
lembranças destes meus olhos bêbados e da minha língua perdida. Quero poder
entregar a você um pouco de conhecimento, verdade e companhia. E que não
tenhamos apenas prazeres momentâneos, que encontremos amores para a vida. Estou
a sua espera. E de mais histórias, mais mentiras, mais vidas e sobrevidas... e
de um pouco mais de luxúria, arte e poesia.”
E como um espião, eu saí de
casa. Disposto a procurar por todos os lugares aqueles olhos bêbados. Um gole
esperançoso passou pela minha garganta. Aqueles olhos estavam perto.
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