segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Remorço (Um continho)

Remorso. Dizem que este não é boa companhia. E não é. Ele está agora mesmo sobre minha cama. Eu também estou, só que amarrado com uma mordaça na boca. Ele, o maldito remorso, me tortura como uma sádico disposto a maltratar o seu dominado. Eu choro e imploro que pare. Ele não para. Ele é cruel. Ele tem todos os utensílios para que a tortura seja eficaz. Ele quer ver sofrimento. No momento, minha cabeça sangra, meu corpo dói. Ele está pegando seu alicate para arrancar minhas unhas dos pés. Ele diz que, para cada unha arrancada, devo lembrar a morte daquela mulher, minha esposa. Ele arranca a primeira. E ela me diz o gosto do pau de outros caras. Ele arranca a segunda. E eu vejo as marcas do meu punho no rosto dela. Ele arranca a terceira. E eu ouço os gemidos tristonhos de uma garota que não quer ser estuprada. Ele arranca a quarta. E ela sente o gosto da minha porra em seu corpo já inerte. Ele arranca a quinta. E minhas mãos estão sobre o pescoço dela, ela cospe sangue. Ele arranca a sexta. Morto, seu corpo descansa e o sangue escorre em minhas mãos. Ele arranca a sétima. E coloco o corpo em uma mala. Ele arranca a oitava. E a mala nada no rio. Ele arranca o nona. O jornal estampa o desaparecimento da minha mulher. Ele arranca a última. E minha boca é invadida por uma arma de fogo.

É o meu fim. Sinto o gosto do cano do revólver. O torturador não poupa tempo e atira. O sangue sobe em minha cabeça. A voz dela chorando ainda encosta nos meus ouvidos, só agora sou capaz de ouvi-la. A falta de vida se espalha em meu corpo e eu sinto o gosto de suas lágrimas em meus lábios. O sangue da morte dela entra por minha boca e me estupra quase igual à maneira que meu pau a fazia engasgar. A bala continua a perfurar o final da minha vida. Sinto-me tonto. A respiração só respira lamento. Meus olhos já não veem mais nada.

Minhas digitais na arma e o criminoso sou eu.

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