Quando eu morri foi quando eu nasci. Meu valor estava lá: na minha morte. Antes disso: não! Julgavam-me hedonista, satanista e egocêntrico. É verdade, eu era, quer dizer, eu sou. Só que depois da morte eu pude ser de verdade. No último segundo antes da minha morte, foi que eu senti dor: a vida, que tanto vivi, passou tão rápido. Eles não conheciam essa vida em que viver era o objetivo. Após isso, eu me lembrei que desde que eu nasci eu soube: "Eu seria assassinado!". E eu fui. Em um mundo em que não se pode viver, eu vivi. Isso era um crime. Eu era o culpado por todo o mal que existia no mundo. Eu merecia ser morto. A profecia dos homens de bem foi concretizada.
A verdade é que todo esse julgamento foi em vão: Eu aproveitei todos os paus e vaginas que pude, de tamanhos e formas que nenhum deus sabe (isso inclui o seu deus e os outros que ainda não foram inventados). Li todos os livros que, após descoberto seu conteúdo, foram queimados na fogueira. Ri todos os sorrisos com verdade, e senti-me bem fazendo bem, bom, fiz-me bem. Doei-me inteiro a todo tipo de amor, doei-me aos estudos, à filosofia e à vida que me matara. Vivi e lamento ter passado tão rápido.
Fui cremado. A rua foi limpa e meu corpo em pó e carbonizado estava aos ventos. O meu pó andava, barulhento com o vento, pelas casas e ruas. Ao me respirarem, pude alojar-me nos pulmões de cada um. As mulheres largaram suas tortas no forno e foram trabalhar junto aos homens. Os homens saíram das indústrias e puderam manobrar também um outro tipo de maquinário: um fogão. As crianças passaram a ler outros tipos de livros, e outras Verdades foram encontradas. As árvores, ao me respirarem, se floresceram e a cidade, ao me respirar, tornou-se viva. Os pescadores começaram a pescar liberdade e os peixes, agora livres, destruíram a barreira de lixo entre as águas e pedras. Os padres e as freiras largaram a batina e passaram a agradecer a mim pela liberdade prometida: Deus os libertou. Os Ladrões não roubaram mais, havia alimento e prazer para todos. As Prostitutas abortaram e foram respeitadas pela sua escolha. Os suicidas foram salvos por abraços e afagos. O policial deixou de ser o que era, sua função era desnecessária, poderia agora ser outra coisa, talvez um escritor. Os mendigos, negros e indígenas foram aceitos e adotados na sua ausência: ora na ausência de casa, ora na ausência de cor e ora na ausência de roupas. E os que eram como eu puderam ser livres. E eu estava LIVRE também.
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